Seis anos após massacre, Paraisópolis é líder de mortes por PMs
Apenas três quarteirões de Paraisópolis têm mais ocorrências de mortes por PMs do que 80 DPs de SP; caso de jovem morto despertou suspeitas
atualizado
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Quase seis anos depois da ação policial que matou nove pessoas em Paraisópolis, apenas três quarteirões da comunidade concentram mais mortes pela Polícia Militar (PM) do que as regiões atendidas por 80 dos 93 distritos policiais da cidade de São Paulo.
O Metrópoles analisou as 246 mortes em ações da PM, na cidade de São Paulo, em 2024, na reportagem especial A Política da Bala. O material revelou que a PM matou 85 pessoas desarmadas e 47 com tiros pelas costas.
O 89º Distrito Policial (Morumbi) é a delegacia com a área que possui mais casos na cidade, um total de 14. Desses, a reportagem localizou cinco casos apenas em três quarteirões de Paraisópolis. Ao menos um deles, sobre a morte de um adolescente, levantou suspeitas de que o suposto confronto apontado pelos PMs pode não ter acontecido.
Os casos aconteceram nas ruas Herbert Spencer, Pasquale Gallupi e Ernest Renan – esta última é a mesma onde acontecia o baile funk em que houve o tumulto com a chegada de PMs e que resultou nas mortes dos jovens que estavam no local.
Dos 22 PMs que mataram mais de uma pessoa em 2024, cinco são do 16º Batalhão, que atende a região de Paraisópolis.
Caso suspeito em Paraisópolis
Um dos mortos na comunidade foi o adolescente Juan Pablo Damasceno Felix, de 17 anos. A polícia afirma que ele e outro homem eram suspeitos de roubar uma moto, que teriam atirado nos policiais – o suposto comparsa de Felix teria fugido, enquanto ele teria se escondido no banheiro de um estacionamento com arma em punho.
A Defensoria Pública, porém, analisou as câmeras corporais das fardas dos PMs que atuaram na ocorrência e encontrou diversas inconsistências na versão policial.
Um dos policiais tem a câmera tapada durante toda a ocorrência, segundo a Defensoria. Mas o áudio capta o jovem afirmando “não estou armado, senhor”, “não estou com arma, senhor”. Os policiais continuam atirando, e “a voz de Juan fica extremamente fina” e “ele continua repetindo ‘não estou com arma, não’”.
“Ainda, o áudio indica que é inverossímil a alegação de que Juan estava com uma arma em punho dentro do banheiro”, diz a Defensoria. “A posição do corpo de Juan também parece estranha para alguém que estava em posição de atirar em alguém. Sua posição final é sentada no vaso, com as calças abaixadas e cueca abaixada. O mais plausível é que tenha sido atingido exatamente nessa posição.”
Além disso, a Defensoria levanta inconsistências sobre o encontro da arma, que não foi filmado em nenhum momento. Um dos policiais entra no banheiro e “não faz o mínimo esforço para descobrir a câmera e mostrar o local e os procedimentos que está realizando”. Outro policial fica de costas para a cena todo o tempo.
O órgão ainda aponta uma conversa estranha entre os agentes, em que um dos policiais pergunta se o outro “desarmou” o suspeito que já estava desacordado.
“Ainda, o ‘desarme’ da suposta arma que estava com Juan é incompatível com os procedimentos policiais. Da forma como foi feito, pode ter ocorrido alteração da cena”, diz a Defensoria no inquérito, pedindo investigação do caso pelo Ministério Público (MPSP).
A vítima do roubo da moto não reconheceu o jovem que morreu, porque os ladrões usavam capacetes e “até porque seu porte físico não se assemelhava aos dos roubadores”.
O que diz a PM
A Polícia Militar afirmou, por meio de nota, que “não tolera desvios de conduta” e que, “como demonstração desse compromisso, desde o início da atual gestão, 463 policiais militares foram presos e 318 demitidos ou expulsos”.
Segundo a corporação, todas as mortes por policiais são investigadas com acompanhamento da Corregedoria e do Ministério Público do estado. Além disso, o comunicado afirma que em todos os casos são instauradas comissões para identificar “não-conformidades”.
“A atual gestão investe em formação contínua do efetivo, capacitações práticas e teóricas, e na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, como armas de incapacitação neuromuscular, com o objetivo de mitigar a letalidade policial”, diz a nota.